Quem são os homens que, fora ou dentro da cadeia, controlam o crescente comércio de drogas no Brasil – e imprimem gestão empresarial a seus negócios ilícitos
HUDSON CORRÊA, DA BOLÍVIA E DO PARAGUAI, E LEONARDO SOUZA
O jipe Cherokee preto, blindado, com placa número 0001, começou a ser seguido pela Polícia Federal (PF) nas ruas de São Paulo em meados de 2001. Seu condutor, o paranaense Luiz Carlos da Rocha, um homem de meia-idade, pele clara e cabelos grisalhos, era monitorado pela PF por suspeita de envolvimento com o narcotráfico. Passados dez anos, a polícia não tem mais a menor dúvida sobre as atividades de Cabeça Branca, apelido pelo qual Luiz Carlos é conhecido. Como sua placa prenunciava uma década antes, ele é considerado hoje, aos 52 anos, o número um de uma lista dos maiores barões da droga no Brasil.
Cabeça Branca e outros grandes traficantes investigados pela PF – Jarvis Chimenez Pavão, Lourival Máximo da Fonseca, Maximiliano Dourado Munhoz Filho, José Paulo Vieira de Melo e Irineu Domingo Soligo – representam uma nova geração do narcotráfico. Num estilo diferente de traficantes do passado, como Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar, e José Carlos dos Reis Encina, o Escadinha, conhecidos por atos de violência e afronta escancarada às autoridades públicas, os novos donos do tráfico atuam de modo mais discreto. Eles não deixam de ser violentos. Quando julgam necessário, mandam matar. Mas não integram facções criminosas nem mantêm “exércitos” armados que desafiam a polícia.
(Foto: reprodução, Otimex/Xinhua/Cor/Clj, Governo do Estado de MT, AP, arq. Folha de Rondonia e Newscom )
Preferem atuar como homens de negócios e comandam, foragidos ou dentro da cadeia, verdadeiras redes empresariais da droga. Eles cruzaram as fronteiras de nações vizinhas, se instalaram por lá e, com a proteção de autoridades locais corruptas e diante da leniência do Estado brasileiro, inundam as cidades do país todos os anos com toneladas de cocaína e pasta-base de coca, a matéria-prima para a produção do crack – o entorpecente que mais mata hoje no Brasil. De suas bases montadas no Paraguai, na Bolívia, na Colômbia e até mesmo na Venezuela, terceirizam boa parte dos serviços, como o refino da coca, a remessa e a distribuição da droga no Brasil.
“O tráfico de drogas nunca vai acabar. Podem prender dez Fernandinhos (Beira-Mar). Dez não sei quem. Dez Pavão. Não adianta”, disse a ÉPOCA Jarvis Chimenez Pavão, apontado pela PF como o segundo maior traficante do país. “O Paraguai todo é território do tráfico.” Pavão recebeu a reportagem na penitenciária de Tacumbu, em Assunção, a maior do Paraguai, de onde, segundo a PF, continua a controlar o comércio de drogas para o Brasil. Durante três meses, ÉPOCA realizou um extenso levantamento sobre a vida desses grandes traficantes. Consultou processos judiciais, entrevistou policiais e advogados, visitou cidades dos dois lados da fronteira e constatou que as palavras de Pavão não são uma mera bravata.
Alguns indicadores oficiais sugerem que as drogas estão entrando no Brasil em quantidades cada vez maiores. No relatório mundial sobre drogas divulgado em junho deste ano, a Organização das Nações Unidas (ONU) destacou a crescente apreensão de narcóticos no Brasil. O país foi o recordista de todas as Américas em volume de crack retido em único ano, com 374 quilos (em 2008). Nos Estados Unidos, foram apreendidos 163 quilos de crack. Houve também um aumento espantoso na quantidade de cocaína retirada de circulação em território brasileiro. Em 2004, foram retidas 8 toneladas. Seis anos depois, em 2010, o número saltou para 27 toneladas.
O governo difunde a versão de que as apreensões de cocaína aumentaram por maior eficiência das forças engajadas no combate ao tráfico – além da PF, o Exército e a Força Nacional de Segurança. Nos últimos anos, a PF ampliou sua atuação nas fronteiras. Fechou acordos de cooperação com as polícias do Paraguai e da Bolívia. Em conjunto com as forças paraguaias, passou a erradicar plantações de maconha. A polícia brasileira também fornece às autoridades paraguaias e bolivianas informações sobre traficantes brasileiros de cocaína em atuação nos países vizinhos. A PF, contudo, vê seu esforço minado por quatro fatores:
1. A remessa de drogas para o país aumentou consideravelmente nos últimos anos.
2. As polícias dos países produtores são corruptas e dão proteção aos traficantes, mesmo aos brasileiros instalados por lá.
3. O orçamento para o combate ao tráfico é estreito e ficou ainda menor em 2011.
4. A pressão do corpo diplomático brasileiro sobre os países vizinhos para coibir a produção de droga em seus territórios é tímida.
Para entender o novo modelo do narcotráfico brasileiro, é preciso voltar à manhã de 25 de abril de 2001, quando o traficante Fernandinho Beira-Mar desembarcou em Brasília, com olheiras e um ferimento provocado por um tiro no braço. Dias antes, ele fora capturado na selva colombiana durante uma operação que envolveu 3 mil soldados daquele país. Era o fim do reinado de cinco anos de Beira-Mar em território colombiano e também no Paraguai. O vácuo deixado por ele não tardaria a ser ocupado por novos megatraficantes.
A mensagem
Para as autoridades - O consumo de drogas cresce no país, mas os recursos para o combate ao narcotráfico diminuem
Para a diplomacia - A política externa vai ter de lidar com um problema cuja origem está além de nossas fronteiras
Semanas após a prisão de Beira-Mar, a PF já estava no encalço de Cabeça Branca. Foi nessa época que os policiais passaram a fotografá-lo pelas ruas de São Paulo – à distância, evitando ser notados. Em outubro daquele ano, os policiais federais fizeram a primeira apreensão de que se tem notícia relacionada a ele. Foram retidos em Tapurah, norte de Mato Grosso, 488 quilos de cocaína trazidos da Colômbia. O entorpecente estava com a quadrilha de Cabeça Branca, mas ele não chegou a ser preso. Fugiu para o Paraguai. Começava ali seu império nas terras do país vizinho, onde comprou uma série de fazendas, de acordo com o promotor de Justiça Antônio Ganacin Filho, de São Paulo.
O NÚMERO DOIS
Jarvis Pavão, na penitenciária de Tacumbu, em Assunção. Ele diz que o Paraguai virou território livre para o narcotráfico (Foto: Rogério Cassimiro/ÉPOCA)
Três anos depois da apreensão em Mato Grosso, Ganacin denunciou Cabeça Branca e outras cinco pessoas pelo tráfico de 492 quilos de cocaína apreendidos em São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. A cor imaculadamente branca da droga impressionou os policiais envolvidos na operação. O grau de pureza revelava que o pó fora trazido da Colômbia e não ficaria no Brasil. Seria exportado para a Europa. De acordo com a investigação, a cocaína foi transportada num bimotor Beech Aircraft, pertencente a Cabeça Branca, até uma fazenda em Mato Grosso. Da propriedade, seguiu de carreta, onde foi escondida sob toneladas de arroz, até o interior paulista. De lá, seria levada ao Rio de Janeiro, oculta entre sacas de açúcar, se não tivesse sido retida pela polícia.
Àquela altura, a quadrilha de Cabeça Branca já operava no Rio de Janeiro. Um ano após o episódio do interior paulista, a PF apreenderia 1.691 quilos de cocaína em um mercado na Zona Norte carioca, em setembro de 2005. Foi a maior apreensão da história da cidade, conhecida por suas favelas dominadas pelo tráfico. A droga estava escondida em buchos congelados de bovinos, que seriam enviados para Portugal e Espanha. Mas a PF não pôs as mãos em Cabeça Branca. Quem foi preso foi seu irmão Carlos Roberto da Rocha, o Tob. O número um do tráfico estava a salvo no Paraguai.
Com dois mandados de prisão expedidos pela Justiça brasileira, Cabeça Branca também é foragido da polícia paraguaia. Cartazes de “Procura-se” foram espalhados pelas cidades do país vizinho. Segundo duas autoridades paraguaias ouvidas por ÉPOCA, a polícia só não o prende porque não quer. Elas revelaram não somente onde Cabeça Branca está, sem se preocupar em se esconder, como deram detalhes de sua rotina. Disseram que ele costuma circular entre suas fazendas em três caminhonetes pretas que sempre andam em comboio – ele usaria essa técnica para confundir adversários em caso de ataque. Cabeça Branca tem três propriedades rurais contíguas. São um pequeno território do narcotraficante em solo paraguaio, na região de Yby Yau, a 100 quilômetros da fronteira com o Brasil.
AUTORIDADE Numa foto de 2005, o traficante boliviano Huber Rivero, então prefeito de San Matías, caminha ao lado do então governador Blairo Maggi (Foto: Governo do Estado de MT)
De acordo com os inquéritos da PF, entre 2001 e 2005 foram apreendidas quase 3 toneladas de cocaína com integrantes da organização criminosa de Cabeça Branca. O volume valeria cerca de US$ 60 milhões. A maior parte seria enviada à Europa. De acordo com a Procuradoria da República em Mato Grosso do Sul, Estado na fronteira com o Paraguai, Cabeça Branca “financia a compra de cocaína, a importação para o Brasil e cuida do preparo com aumento de volume com o batismo(mistura com outras substâncias). Guarda em depósito, transporta e revende a droga”. Em outra frente, segundo a Procuradoria, ele compra armas e as troca por drogas, provavelmente em transações com integrantes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Fábio Ricardo Mendes Figueiredo, advogado de Cabeça Branca sediado em Ponta Porã, Mato Grosso do Sul, diz que ele nunca foi condenado pela Justiça e que tem obtido vitórias nos Tribunais Superiores contra as investigações da PF.
A PF nunca deixou de monitorar a quadrilha de Cabeça Branca. De 2005 para cá, identificou novas rotas usadas por ele para mandar a droga para o Brasil e para a Europa. Por questões estratégicas, a polícia mantém sigilo sobre suas atividades mais recentes. ÉPOCA apurou que um dos novos caminhos empregados pelo traficante é a Venezuela. De lá, por terra, a principal porta para o Brasil é o município de Pacaraimã, em Roraima, onde se encontra a reserva indígena Raposa-Serra do Sol. Segundo o secretário de Segurança Pública de Roraima, general Eliéser Girão Monteiro Filho, índios foram arregimentados pelos traficantes. Eles cruzam a fronteira e trazem mochilas carregadas de droga.
Como o tráfico é um negócio bastante rentável, Cabeça Branca, com o tempo, ganhou a companhia de mais traficantes brasileiros do outro lado da fronteira. “Eles instalaram bases de apoio no Paraguai e na Bolívia, assim como passaram a manter estreito relacionamento com os chefes criminosos locais”, disse a ÉPOCA o adido da Polícia Federal em Assunção, Antonio Celso dos Santos. Até meados da década passada, o tráfico internacional de drogas promovido por brasileiros era marcado por uma guerra sangrenta entre grupos rivais em disputas por territórios e poder na fronteira. Beira-Mar foi acusado e condenado por assassinar o rival paraguaio João Morel em 2001, além de encomendar as mortes de dois filhos de seu desafeto. Hoje, no sistema de perfil mais empresarial dos novos traficantes, os conflitos armados foram aparentemente contornados com a divisão de territórios entre as organizações criminosas.
Os comerciantes de drogas não tiveram muito trabalho para se acomodar no Paraguai. Encontraram um território aberto. Entrar e sair do país é tão fácil quanto trocar de calçada. Em Ponta Porã, basta atravessar uma rua para entrar em Pedro Juan Caballero, cidade paraguaia com 100 mil habitantes. Ao longo de 1 quilômetro na faixa de fronteira, é possível fazer um zigue-zague de carro ou a pé entre as cidades sem encontrar um policial sequer. O único incômodo são vendedores ambulantes com bolsas a tiracolo oferecendo maconha, munição para armas e uma versão paraguaia do Viagra.
O tráfico de drogas movimenta US$ 100 milhões por mês em Pedro Juan Caballero, afirmam autoridades paraguaias ouvidas por ÉPOCA. Ao menos dez aviões chegam à cidade por semana. Cada um deles carregado com mais de 300 quilos de cocaína. No dia 5 de agosto, a reportagem de ÉPOCA estava em Pedro Juan Caballero. No início daquela noite, o presidente do Paraguai, Fernando Lugo, chegou à cidade. De casaco preto e calça social, Lugo estava rodeado de dezenas de seguranças, ao participar de uma solenidade de entrega de computadores para estudantes. Ao ser abordado, ele se esquivou de responder a uma pergunta sobre a atuação impune de narcotraficantes em seu país. “Outro dia”, limitou-se a dizer. Após a solenidade na escola, Lugo se dirigiu a uma praça aberta. Assistiu por mais de duas horas a uma apresentação musical que fazia parte das comemorações do bicentenário da independência paraguaia. Outra personalidade ilustre presente às comemorações na cidade era o traficante Carlos Ruben Sanchez Garcete, o Chicharo, que opera enviando maconha para o Brasil e a Argentina, segundo a PF. Ele circulava em um BMW livremente pelas ruas de Pedro Juan.
Chicharo é ligado ao gaúcho José Paulo Vieira de Melo, de 42 anos, conhecido como Paulo Seco, preso no Uruguai há um ano e três meses. Ele é acusado de traficar para o Brasil cerca de 1 tonelada de cocaína, apreendida em operações policiais. Paulo Seco é apontado pela PF como o sucessor dos negócios de Fernandinho Beira-Mar no Paraguai. “Com a prisão do conhecido traficante Ney Machado (em 2001) pelo Exército colombiano, Paulo Seco assumiu o comando da organização criminosa em Capitan Bado, Paraguai”, informa um documento da Procuradoria da República no Rio Grande do Sul. Machado, conhecido como Pitoco, era o braço direito de Beira-Mar. Segundo a PF, Paulo Seco montou uma “base de operação” em Ciudad del Este, Paraguai, na fronteira com o Paraná. Aprimorou então o esquema de Beira-Mar para traficar drogas em pequenas aeronaves. Elas viajam do Paraguai até o Rio Grande do Sul e arremessam pacotes de cocaína em fazendas próximas à fronteira com a Argentina.
Esse esquema empresarial montado pelos novos barões da droga permite que eles comandem o tráfico mesmo presos. É o caso de Jarvis Chimenez Pavão, de 43 anos. Depois de Cabeça Branca, ele é considerado o traficante mais poderoso. Preso em Assunção desde 2009, Pavão continuou a comandar o envio de aviões carregados com cocaína para o Brasil, segundo relatório da Operação Matriz, da Polícia Federal, a que ÉPOCA teve acesso. Ele usava um celular para se comunicar com traficantes no Brasil, diz a PF, que captou as conversas por meio de escutas autorizadas pela Justiça.
Da cadeia em Assunção, o número dois do tráfico mandou matar, por R$ 50 mil, um de seus gerentes que desviava dinheiro da quadrilha, de acordo com a investigação. “Esse cara é um sem-vergonha. Onde já se viu mexer em dinheiro meu?”, disse Pavão, durante conversa com um comparsa que estava no Brasil, captada no dia 9 de abril de 2010. Fazia pouco mais de três meses que o traficante estava no presídio Tucumbu. A conversa prosseguiu. “A parada é o seguinte: 50 contos. 50 contos aí a cabeça desse sem-vergonha”, disse Pavão. Três meses depois, o gerente foi morto a tiros no Rio Grande do Sul.
COMBATE
Um agente da PF vigia incineração de drogas em São José do Rio Preto, São Paulo. O orçamento de repressão ao tráfico diminuiu (Foto: Carlos Chimba)
Mesmo atrás das grades, Pavão conseguia a façanha, segundo a PF, de enviar todo mês meia tonelada de pasta-base de cocaína para o Brasil, carga avaliada em R$ 5,5 milhões. Em comum, Pavão e Paulo Seco têm o mesmo advogado, João Manoel Armoa. Ele afirma que não há provas de que os dois sejam traficantes. “Nunca pegaram um avião do Paulo. Ele não tem patrimônio para ter movimentado esse volume, 1 tonelada de cocaína”, diz. “A condenação de 18 anos de Pavão foi à revelia pela Justiça em Balneário Camboriú, Santa Catarina. Ele é um pecuarista no Paraguai e planta soja. Não tem prova de que esteja envolvido nos crimes relatados na Operação Matriz.” Uma importante vitória judicial de Pavão ocorreu em setembro de 2010. A Justiça paraguaia absolveu seu filho, José Martinez Mendi Pavão, acusado de traficar 120 quilos de cocaína. Os três juízes que deram a sentença renunciaram ao cargo em maio passado, depois de ter sido acusados pela Justiça paraguaia de favorecer o filho de Pavão.
Por essas situações de impunidade, o senador paraguaio pelo Partido Liberal Radical Autêntico Roberto Acevedo, de 46 anos, e seu ex-assessor Ramon Cantaluppi Arévalos afirmam estar desiludidos com a luta contra o narcotráfico no Paraguai. Eles dizem ser uma causa perdida por causa da proteção que os traficantes recebem de autoridades corruptas do país. Os dois carregam ferimentos dessa guerra. Sofreram atentados atribuídos a narcotraficantes. Acevedo levou um tiro no braço e outro de raspão na cabeça em abril de 2010. “Minha vida não é vida. É um cárcere. Um policial precisa levar meu filho de 12 anos para a escola”, diz o senador. Arévalos foi alvejado com 14 tiros de pistola 9 mm. Ele diz que só se salvou porque o tiro final, disparado em direção a seu coração, foi bloqueado pelo celular que levava no bolso. “A máfia do narcotráfico virou uma empresa. Encontrou um Estado muito vulnerável”, diz Arévalos. Ele perdeu a perna direita no atentado.
Os megatraficantes também mandam na fronteira com a Bolívia. A principal cidade brasileira de entrada da cocaína é Cáceres, em Mato Grosso. O delegado federal Dennis Maximino do Ó exibe os números ascendentes de apreensão da droga. Lá, em sete anos, o volume de cocaína retida saltou de 100 quilos (2003) para 1.400 quilos (2010). A cerca de 80 quilômetros de Cáceres está a cidade boliviana de San Matías. Com ruas sem asfalto e casas com pintura descascada, destaca-se na paisagem a mansão do ex-prefeito Huber Velardi Rivero, de 47 anos. A casa ocupa quase uma quadra, com uma grande piscina escondida atrás de um muro de 3 metros de altura.
Rivero e seu irmão Adan Ademilson podem ser chamados, segundo a Polícia Federal, de barões bolivianos do tráfico. A Procuradoria da República em Mato Grosso denunciou os dois à Justiça Federal por fazer parte de uma quadrilha com a qual foram apreendidos 913 quilos de cocaína e quase meio milhão de dólares em junho de 2009. Na época, quando Rivero ainda era prefeito de San Matías, a prisão dele e do irmão foi decretada pela Justiça Federal brasileira.
Os mandados de prisão foram expedidos com o argumento de que há dificuldades para que acusados de crimes no Brasil sejam interrogados na Bolívia, principalmente se forem bolivianos.
Rivero costumava se encontrar com o então governador de Mato Grosso, o hoje senador Blairo Maggi (PR), um dos maiores produtores de soja do mundo, em eventos públicos que debatiam a integração econômica entre o Brasil e a Bolívia. Rivero acabou oficialmente fora da política depois que as acusações atingiram sua imagem. Procurado por ÉPOCA, ele negou qualquer envolvimento seu e do irmão com o narcotráfico. A Procuradoria da República afirma que denunciou os dois por tráfico de drogas, mas que os mandados de prisão não estão mais em vigor.
Somente no final do governo Lula, a Polícia Federal começou a estabelecer uma parceria mais estreita com as autoridades bolivianas. O principal resultado foi a prisão de Maximiliano Dorado Munhoz Filho, o Max, de 39 anos, em dezembro passado. Max é responsável por mandar todo mês meia tonelada de pasta-base de cocaína para o Brasil, que pode valer até R$ 9 milhões em São Paulo, diz o delegado da Polícia Federal Carlos Rocha Sanches. A prisão de Max foi uma vitória porque a Justiça boliviana determinara sua extradição para o Brasil em 2004. Ele permaneceu livre seis anos no país vizinho, ostentando alto padrão de vida em Santa Cruz de La Sierra, onde mantinha um patrimônio avaliado em até US$ 7 milhões. Pagava propina a autoridades bolivianas para não ser incomodado. A extradição não significou o fim da linha para os negócios de sua família. Seu irmão Ozzie Dorado Lozado Hanna permanece em liberdade na Bolívia.
COMÉRCiO
Avenida de Pedro Juan Caballero, no Paraguai, que faz fronteira com o Brasil. O tráfico movimenta US$ 100 milhões por mês na cidade (Foto: Rosane Marinho/Folhapress)
O plantio da folha de coca na Bolívia cresceu significativamente durante o governo do presidente Evo Morales, ele próprio um ex-cocaleiro. Sob o argumento de que a folha, mascada pela população local num hábito secular, não é droga, ele anunciou em 2006 a ampliação da área plantada de 12.000 para 20.000 hectares. Hoje, ela está em 30.900 hectares. Evidentemente, quanto maior o plantio, maior a produção de cocaína. De acordo com a Organização das Nações Unidas (ONU), 66% da folha de coca boliviana, incluindo a plantada legalmente, é desviada para o narcotráfico. Pelos dados da Força Especial da Luta Contra o Narcotráfico (Felcn), principal braço antinarcóticos da Bolívia, de 70% a 90% da cocaína e da pasta-base de coca produzidas naquele país são enviadas para o Brasil. Segundo a ONU, o Brasil se tornou a principal rota de trânsito nas Américas para o envio de droga para a Europa. O número de casos que envolveram o Brasil nesse quesito subiu de 25 em 2005, somando 339 quilos de cocaína, para 260 em 2009, quando foi apreendida 1,5 tonelada de pó.
Na contramão do aumento de apreensões, o governo Dilma Rousseff reduziu os recursos para a Polícia Federal. As associações de entidades de classe da PF (delegados e peritos) enviaram no mês passado uma carta ao Congresso, em que pedem ajuda aos parlamentares. Segundo os policiais, o Fundo para Aparelhamento e Operacionalização das Atividades-fim da PF (Funapol) sofreu um corte de 28% neste ano. Os gastos com diárias, transporte, hospedagem e alimentação de policiais em missão ou operações oficiais custeados pelo Funapol foram limitados a R$ 58 milhões, uma redução de 35% em relação ao ano passado. São justamente dessas e de outras rubricas afins, também cortadas, que saem boa parte das operações especiais de combate ao tráfico.
Apesar da pressão da PF por mais recursos para o combate ao narcotráfico, a atual gestão da política externa brasileira tende a atenuar a gravidade do problema que representa o aumento no plantio de folha de coca na Bolívia patrocinado pelo presidente Evo Morales. Para o Itamaraty, se houve crescimento do narcotráfico e se há presença de brasileiros comprando e enviando drogas da Bolívia para cá, trata-se de uma mera questão de polícia. “A eventual participação de brasileiros em atividades ilícitas é tratada como parte de uma cooperação policial”, diz um comunicado do Itamaraty.
Candidato derrotado no segundo turno das eleições presidenciais no ano passado, o tucano José Serra acusou o governo de Evo Morales de ser “cúmplice” e de fazer “corpo mole” contra o narcotráfico. Serra trouxe para o debate político um problema que não foi encarado com senso de urgência nem pelo ex-presidente Lula nem agora pela presidente Dilma. Eles nunca pressionaram o governo Morales a tomar providências mais enérgicas sobre a produção e a “exportação” de cocaína. Em março, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, a que a Polícia Federal está subordinada, foi à reunião da Comissão Mista Brasil-Bolívia sobre Drogas em La Paz. Cardozo aproveitou para sobrevoar a região do Chapare, na região central da Bolívia, berço político de Evo Morales e uma das zonas com maior produção de folhas de coca. Na ocasião, Cardozo anunciou a liberação de US$ 100 mil para a Bolívia aplicar na luta contra a cocaína. Quase seis meses depois, o Itamaraty informa que o dinheiro ainda não foi liberado devido à burocracia brasileira.
No caso do Paraguai, o Itamaraty mencionou a existência de uma comissão formada por autoridades dos dois países para discutir acordos e trabalho conjunto contra o narcotráfico. A última reunião ocorreu há mais de um ano no Paraná. Em 23 anos de existência, foram realizados apenas quatro encontros. Há um fundo com US$ 5 milhões dos cofres brasileiros para ampliar a luta contra o tráfico dentro do país vizinho, mas nenhum centavo foi liberado até hoje por falta de projeto. A letargia brasileira se estende também à Venezuela. O Brasil não mantém “reuniões com autoridades de alto nível” do governo de Hugo Chávez para tratar de tráfico de drogas, informa o Ministério das Relações Exteriores. Por mais de um mês, ÉPOCA pediu informações ao Ministério da Justiça sobre as ações contra o narcotráfico. Solicitou também uma entrevista com o ministro José Eduardo Cardozo. Como num resumo da atenção que o governo Dilma dá ao combate ao narcotráfico, a assessoria e o ministro preferiram o silêncio.
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