segunda-feira, 14 de novembro de 2011

TRÁFICO DE ANIMAIS SILVESTRES - RS É ROTA

ENTREVISTA - ‘Estado é rota de tráfico de animais silvestres’ - superintendente regional do instituto, João Pessoa Moreira Junior, por Juliano Tatsch e Deivison Ávila

Em um momento em que o Congresso Nacional debate a criação de um novo Código Florestal e em que atribuições do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Ambientais (Ibama) são diminuídas por meio de aprovação de projeto de lei no Senado, o papel do órgão ganha destaque. Em entrevista ao Jornal do Comércio, o superintendente regional do instituto, João Pessoa Moreira Junior, fala sobre os licenciamentos ambientais, aborda o caso envolvendo o fim do minizoo de Porto Alegre, lamenta a estrutura deficiente do órgão e destaca a ação do Ibama no combate ao tráfico de animais silvestres.

Jornal do Comércio - Quais têm sido os focos do trabalho do instituto no Rio Grande do Sul?

João Pessoa Moreira Junior - O Rio Grande do Sul é rota de tráfico de animais silvestres. Outro dia fizemos uma apreensão no bairro Vila Nova, na Capital, onde localizamos 124 animais. Costumamos achar que isso está distante da cidade, mas está perto. É um problema, pois as pessoas acreditam que ocorre na região Nordeste, no Rio de Janeiro, mas acontece aqui em Porto Alegre, na Vila Nova. Animais traficados que são revendidos para o mercado. É preciso ter um trabalho de conscientização de que é o dinheiro do contribuinte que está em jogo. Temos de mobilizar nossa fiscalização, envolver a Polícia Federal e a Polícia Rodoviária.

JC - O órgão já tem mapeadas quais seriam essas rotas no Estado?

Moreira Junior - Sim, já temos. As duas principais rotas de saída dos animais são pelo Chuí e por Uruguaiana. Nosso foco está na saída dos animais do País. Temos um trabalho com o nosso núcleo de inteligência na busca por informações, temos tudo mapeado. Participamos da Operação Ágata 2 (ação conduzida em setembro, pelo Ministério da Defesa, em parceria com o Ministério da Justiça, nas regiões de fronteira do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Mato Grosso do Sul com os países vizinhos) onde tivemos uma presença grande no combate ao tráfico de animais e na questão da madeira também.

JC - Qual é a importância da ajuda da população nesses casos? É através de denúncias?

Moreira Junior - Geralmente, ninguém acha que aquele animalzinho que está na sua casa veio do tráfico. As pessoas acham que só fizeram o bem ao acolher o animal, não estimularam o tráfico. Mas o fizeram, comprando um animal sem origem legal. Só que ao adquirir um animal na beira da estrada, não sabem que, para ele estar ali, vários outros morreram. O tráfico conduz os animais em péssimas condições, em pequenas gaiolas. Nosso trabalho é árduo. O problema não está resolvido quando apreendemos os animais, pois temos de colocá-los em algum lugar e há muita dificuldade para isso. Aqui, a fauna sempre recai para o órgão federal. Já estamos iniciando a discussão a respeito da descentralização dessas responsabilidades para o Estado e os municípios também.

JC - Como está a situação do minizoo do Parque da Redenção, em Porto Alegre?

Moreira Junior - Não gosto quando se coloca tudo nas costas do Ibama. Nós somos os responsáveis pelo cumprimento da legislação. Houve uma manifestação da prefeitura, que não quis aplicar os recursos no local para adequá-lo às necessidades. Não me cabe julgá-la. O que interessa para o Ibama? Vamos fazer uma vistoria no criatório para onde os animais devem ir (em Santa Maria) para ver as condições de lá. Depois, daremos um parecer de adequação ou não. Se estiver adequado, emitiremos as guias de transporte para que a transferência seja feita. Vamos supervisionar a transferência, porque quem a faz é o próprio criador e a prefeitura, e ver se os animais estarão em melhores condições lá em Santa Maria. Esse é o papel do Ibama. Zelar pelo bem-estar dos animais, que não estavam bem aqui e deverão ficar melhor lá.

JC - Há um prazo estipulado para a remoção?

Moreira Junior - Não. Eu pedi celeridade, porque já faz mais de um ano que notificamos a prefeitura da inadequação do minizoo. Depois disso, vi que as coisas andaram mais rapidamente. Queremos fazer a vistoria logo.

JC - Se o espaço fosse adequado, o barulho, a poluição e o trânsito de pessoas realmente interfeririam na vida dos animais?

Moreira Junior - Exigimos que a legislação fosse cumprida. Os recintos têm de estar em tamanho adequado, o zoológico tem de ter uma quarentena, é preciso ter cercamento, vigilância 24h. Hoje, as cercas estão deterioradas, os pedestres jogam o que querem para os animais, que acabam comendo alimentos inadequados. Não sabemos o que acontece ali na madrugada. A situação atual é muito preocupante. Se houvesse um investimento, poderia minorar esses problemas.

JC - Como está a estrutura do Ibama aqui no Estado?

Moreira Junior - Temos uma deficiência muito grande. Melhoramos um pouco nos últimos anos e estamos tentando “repatriar” alguns gaúchos que estão em outros estados. Nosso número de pessoal é pequeno. O núcleo de licenciamento conta com oito analistas para todo o Estado. É pouco. Temos em torno de 60 fiscais, mas não estão todos dedicados exclusivamente à fiscalização. Estamos no aguardo de algum concurso público.

JC - As ações de fiscalização são realizadas mais com base em denúncias ou por ação própria?

Moreira Junior - Temos de focar na nossa função federal. Com o trabalho que estamos fazendo há uns dois, três anos, de impulsionar o nosso núcleo de inteligência, as operações têm sido conduzidas para um trabalho prévio. Temos uma eficiência maior e isso está dando resultado. Conseguimos desbaratar quadrilhas que atuam com madeira e com animais. As denúncias para a nossa Linha Verde também ocorrem, com pessoas denunciando o vizinho, por exemplo. Hoje nós estamos tratando desde animais pessoais até o tráfico internacional. É demais para 60 fiscais. São 60 fiscais para cuidar de pesca, fauna, licenciamento, flora. É impossível.

JC - O instituto é alvo de muitas críticas por parte do setor produtivo, de que suas exigências para a liberação das licenças ambientais travam o desenvolvimento do País. Como o senhor vê a questão?

Moreira Junior - Um exemplo que sempre dou quando falo da importância do licenciamento ambiental diz respeito à Estrada do Mar. Ela foi feita em uma época em que nem sei se existia licenciamento. A levantaram e criaram aqueles canais artificiais. Quantas pessoas já morreram ali? Hoje, aquilo não seria permitido. A população precisa ter essa consciência. Não somos restritivos. Não somos contra o progresso. Mesmo lá em Belo Monte. Chegou-se à conclusão de que o País necessita dessa energia, é a energia mais adequada e tem de mitigar. O Ibama está propondo ações mitigatórias. O nosso trabalho fica entre o empreendedor e a defesa do meio ambiente. Temos de equilibrar essa conta. Se não estivéssemos presentes, quantos absurdos já não teriam sido feitos.

JC- Há algum tempo, ocorreu um debate muito forte aqui no Estado a respeito das plantações de eucaliptos, com defensores destacando a importância econômica e com críticos falando em desertos verdes. Como está a situação hoje?

Moreira Junior - É uma questão de mercado. Houve uma retração imensa com a crise de 2008. As empresas recuaram nos investimentos. Foi feito um zoneamento pelo Consema (Conselho Estadual do Meio Ambiente) indicando onde se plantar. Não é o melhor dos mundos, mas é melhor do que nada.

JC - O que muda no trabalho do instituto com o novo código florestal?

Moreira Junior - O código está sendo conduzido pelo Ministério do Meio Ambiente. Nós não tivemos participação considerável nesse processo. É lógico que reflete na gente, pois o Ibama é um executor. O importante é que dá para produzir no País, de modo sustentável, com a legislação atual. Esse é o principal recado. Muitas vezes ouvimos pessoas dizerem que as áreas de preservação permanente são besteiras, que as matas ciliares estão tirando áreas do produtor. Já tivemos acidentes aqui, como o que ocorreu em Agudo, com a queda da ponte. Eu cruzei aquela ponte e vi que se plantava arroz até à beira do rio Jacuí. Isso não é besteira. É a hora de termos essa preocupação. Aqui no Estado, já estamos buscando esse uso sustentável em algumas áreas. Na pecuária de corte no Sul, temos um projeto de boas práticas de produção e estamos tentando trazer, por meio de um programa que está em elaboração, o Senar (Serviço Nacional de Aprendizagem Rural) para esse debate.

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