segunda-feira, 20 de outubro de 2014

CONTRABANDO DE FÓSSEIS PRÉ-HISTÓRICOS DESCOBERTOS NO BRASIL

TV GLOBO FANTÁSTICO Edição do dia 19/10/2014


Quadrilha contrabandeava fósseis pré-históricos descobertos no Brasil. Operação da Polícia Federal apreendeu mais de três mil peças muito valiosas para a ciência que seriam levadas para fora do país.





Um tesouro pré-histórico ameaçado. Uma quadrilha internacional roubava da Chapada do Araripe, no Ceará, fósseis raríssimos, como o esqueleto completo de pterossauro, um réptil voador que viveu há cerca de 100 milhões de anos. O objetivo era vender esse patrimônio incalculável para fora do Brasil.

A coleção de fósseis brasileiros raros mostrada no vídeo poderia estar agora nas mãos de colecionadores particulares do exterior. São mais de três mil peças muito valiosas para a ciência, que seriam levadas por contrabandistas.

Após uma operação da Polícia Federal, todo o material foi apreendido. E, nesta semana, entregue para pesquisadores da Universidade de São Paulo, a USP.

“A quadrilha, ela retirava os fósseis lá da bacia do Araripe. Eles levavam para o Curvelo, no interior de Minas, ali os fósseis eram melhor acondicionados, eram escondidos dentro de barris e cobertos com pedras para dissimular a origem. E aí exportavam pelos portos do Rio de Janeiro e São Paulo”, diz o delegado da Polícia Federal Adauto Machado.

Fantástico: A exportação de fósseis é proibida no Brasil?
Delegado: Exatamente. Eles não podem ser comercializados.

A investigação começou em junho de 2012, quando autoridades da França apreenderam fósseis brasileiros. Elas avisaram à Polícia Federal, que localizou o chefe do esquema, Pedro Luis Novaes Ferreira, de São Paulo.

“Estão sendo acusadas 13 pessoas, sendo oito brasileiros, três alemães e dois franceses”, destaca Adauto Machado.

Um dos alemães é Michael Schwickert. Ele já foi indiciado outras três vezes por tráfico de fósseis no Brasil. É um dos contrabandistas mais conhecidos no país.

A investigação revelou que a remessa interceptada na França tinha como destino final os Estados Unidos. Mais especificamente, um museu particular, administrado por outro alemão, Burkhard Pohl.

Em um e-mail, Pedro, o chefe da quadrilha, se oferece para pegar Burkhard, o comprador, no Aeroporto de Guarulhos e ainda convida o alemão para ficar na casa dele.

Escutas telefônicas mostram que o grupo já havia sido abordado por policiais outras vezes, mas sempre conseguia escapar.

Contrabandista 1: Os ‘polícia’ até que era gente boa, dei logo 500 contos para o delegado lá para aliviar as coisas. E o delegado disse ‘rapaz, tu é um homem de sorte, viu, porque se aparece alguém aqui que conheça isso aqui, tu ia se enrolar aqui’.
Contrabandista 2: Pois é, mas isso aí dá cadeia na certa. É proibido, dá uma cadeia do diabo.

Em outra gravação, Pedro, o chefe do grupo, conversa com Euclides Araujo, que extraía os fósseis no Ceará.

Pedro: Você vai ter que tirar aquele bicho maior e deixar ele aí. Você sabe qual é o maior, né?
Euclides: Sei, sei, é o que tem as ‘unha’, né?

O bicho ao qual os contrabandistas se referem é o pterossauro, que agora está com a Universidade de São Paulo.

O fóssil do animal pré-histórico viveu há 90 milhões de anos na Chapada do Araripe no Sertão Nordestino. Segundo a Polícia Federal, o bicho, que é um réptil voador, tinha um metro e meio de altura e quando abria as asas chegava a três metros de envergadura.

“Esse pterossauro é da espécie Tupandactylus imperator. Ele foi descoberto aqui no Brasil por um brasileiro. Aqui é a pata traseira dele, inclusive você pode ver até os dedos. Aqui, para esse pedaço aqui, é a asa, ela tá dobradinha, recolhida, inclusive com os dedos aqui da asa. Essa crista aqui não era de osso, isso aí era cartilagem. É mais que raro, é único. Não tem um outro fóssil dessa espécie completo assim”, explica a perita da Polícia Federal Mariana Machado Albuquerque.

Para a pesquisadora que recebeu as peças, os contrabandistas tinham conhecimento científico.

“Você precisa ter uma certa experiência, uma certa técnica para fazer isso de uma maneira tão cuidadosa. São pessoas que sabem tratar desse material de uma forma bem especifica”, diz a paleontóloga da USP Juliana Basso.

A USP fica a quase 2,5 mil quilômetros de onde os fósseis saíram. A chapada do Araripe, uma das maiores reservas de fósseis do mundo. Rochas com vestígios de animais que viveram quando tudo lá era um grande lago, há mais de cem milhões de anos. Entre eles, os pterossauros. Os pesquisadores de lá jamais encontraram um fóssil com todas as partes do corpo, como o que foi apreendido pela Polícia Federal.

Quem trabalha dia a dia com os fósseis da região tem motivos para acreditar que o tesouro da paleontologia foi encontrado em um lugar como este: uma pedreira onde a exploração de calcário escava diversas camadas de rochas. Uma delas tem as mesmas características da que foi encontrada com o fóssil completo de pterossauro.

“Pela coloração, pela estrutura, deve ter vindo mais ou menos desse nível da formação Crato. Então aquele pterossauro, ele deve ter saído mais ou menos dessa área aqui, de Nova Olinda”, afirma o professor Álamo Saraiva.

O professor Álamo Saraiva coordena o laboratório de paleontologia da maior universidade pública da região. Ele diz que o tráfico de fósseis é comum.

“Existe uma rede grande envolvendo o tráfico de fósseis. Existe um laboratório clandestino de preparação de fosseis aqui na região do Cariri, servindo diretamente ao tráfico. Envolve muito dinheiro, essa quadrilha é muito grande e ela age aqui na região do Cariri há mais de 20 anos”, explica o professor de paleontologia Álamo Saraiva.

Ele deseja que a região possa ter de volta o achado da paleontologia que saiu de lá por mãos erradas.

“Eu fui até a Polícia Federal aqui de Juazeiro do Norte e a gente fez a solicitação para São Paulo desse material, que fosse devolvido aqui para a Bacia do Araripe, para a região do Cariri. É um material que vai nos fazer muita falta”, afirma o professor.

Em São Paulo, Pedro Luis Novaes Ferreira, o chefe da quadrilha, é o único que já foi julgado.

“Ele já foi condenado em primeira instância a três anos de prisão e a uma indenização de quase R$ 2 milhões”, destaca o delegado Adauto Machado.

Ele recorreu da sentença e agora aguarda em liberdade.

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