quarta-feira, 28 de maio de 2014

TRAFICANTE COM ESCRITÓRIO DENTRO DA CADEIA

JORNAL EXTRA 28/05/14 07:09

Traficante brasileiro tem escritório do crime dentro de penitenciária no Paraguai


Interior da penitenciária de Tacumbu: presos comuns vivem uma realidade diferente da de Jarvis Pavão

Guilherme Amado


O brasileiro Jarvis Ximenes Pavão (veja o perfil) tem um gabinete de 20 metros quadrados, equipado com dois computadores, impressora, televisor de tela plana e geladeira. Na porta, seguranças guardam o escritório. Ele é embaixador, mas não de um país. Sua pátria é o Narcosul. Preso na penitenciária nacional de Tacumbu, em Assunção, capital do Paraguai, Pavão pagaria US$ 300 (cerca de R$ 660) diários pela mordomia. Após entrevistas com nove fontes — três do Itamaraty e as demais da Polícia Federal brasileira, da Justiça Federal do Mato Grosso do Sul, da Secretaria Antidrogas do Paraguai (Senad) e do Ministério Público paraguaio — o EXTRA confirmou que, para a operação de Jarvis Pavão, estar preso não é uma punição. É um benefício.

Desde o último domingo, a série de reportagens “Os embaixadores do Narcosul”, cofinanciada pelo Instituto Prensa y Sociedad (Ipys), mostra como funciona o maior bloco de tráfico de drogas do mundo, no qual organizações criminosas de Bolívia, Brasil, Paraguai e Peru conseguem uma integração superior para suas operações à oficial de seus países. A corrupção é o óleo que lubrifica essa engrenagem e desemperra as amarras que as leis criam.

Tacumbu é o maior presídio do Paraguai, com 3.108 pessoas onde caberiam mil, segundo o próprio diretor da penitenciária, Artemio Vera. Quem não fatura como Pavão e não pode pagar por essas condições vive em condições degradantes.

Assista ao primeiro vídeo da série sobre o Narcosul:




Artemio Vera conversou na noite desta terça-feira com o EXTRA por telefone e negou que Pavão tenha a mordomia. De acordo com ele, o brasileiro fica separado dos demais presos por “questões de segurança”. No entanto, o EXTRA conseguiu confirmar que pelo menos uma autoridade já foi submetida a revistas de segurança pelos homens de Pavão, que do lado de fora da cela procuram armas ou outras possíveis ameaças à segurança de seu chefe em todos que entram no gabinete.

Fronteira do Brasil com o Paraguai Foto: Cléber Júnior / Extra



O EXTRA levantou casos de corrupção de agentes públicos nos quatro países em que os embaixadores do Narcosul operam. No Brasil, o envolvimento de que se tem mais notícia é o de policiais militares e civis com traficantes. A PF investiga seis casos de agentes federais em todo o país. No Judiciário e no Congresso Nacional, nunca houve a condenação de nenhum juiz ou congressista por este tipo de delito.

Segundo o último levantamento da Transparência Internacional, entidade que mapeia a percepção da corrupção em todo o mundo, a Bolívia ocupa a 106ª posição no ranking de corrupção. O Brasil está em 72ª posição, o Paraguai, na 150ª posição e o Peru, na 83ª posição. A percepção da corrupção por sistemas judiciários na Bolívia, ficou em 76% dos entrevistados. No Brasil, foi de 50%. No Paraguai, 79%. No Peru, 85%.

A procuradora nacional antidrogas do Peru, Sonia Medina, conduz hoje uma investigação que apura o envolvimento de parlamentares com o narcotráfico. Há dez anos no cargo, já acusou e conseguiu a condenação de dez juízes por terem sido corrompidos por traficantes.

Marco Alcaraz, procurador da unidade especializada de luta contra o narcotráfico Foto: Cléber Júnior / Extra

Apesar das denúncias de benefícios na cadeia a Pavão, Marco Alcaraz, procurador da unidade especializada de luta contra o narcotráfico, afirma que o combate à corrupção de agentes públicos no Paraguai é permanente:

— A corrupção envergonha. A Senad paraguaia, envolvida diretamente com o problema, trabalha muito para tentar evitar que agentes sejam corrompidos pelos traficantes. No Ministério Público, em que temos o dever de acompanhar todas as ações da Senad, ou seja, travamos um contato direto com os traficantes, todos os fiscais (procuradores) sérios têm o dever de se posicionar frente ao narcotráfico com firmeza, para não deixar margem a dúvidas.

Mesmo com esse cuidado, explica Alcaraz, já houve casos de corrupção identificados e punidos. Um deles, envolvendo o nome do traficante brasileiro Luiz Fernando da Costa, o Fernandinho Beira-Mar:

— Em 2005, o fiscal Carlos Calcenas foi condenado a seis anos de prisão por ter roubado US$ 200 mil (R$ 440 mil, em valores atuais) que foram apreendidos com um comparsa do brasileiro Fernandinho Beira-Mar.

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