02 de setembro de 2012 | 3h 09
OPINIÃO O Estado de S.Paulo
O
Brasil, maior mercado consumidor de drogas da América Latina, passou a
atuar além de suas fronteiras para dificultar o cultivo e o comércio de
entorpecentes. As operações são feitas pela Polícia Federal (PF) em
conjunto com agentes locais, segundo acordos formalmente estabelecidos,
mas é inevitável que a presença dos brasileiros cause mal-estar nesses
países, embora nem de longe lembre a oposição hostil à agora decrescente
atuação dos EUA com iguais objetivos.
Como mostrou a Folha
(19/8), policiais peruanos, por exemplo, externaram sua desconfiança em
relação aos brasileiros, que apelidaram a ação de "nosso Plano
Colômbia". É uma referência ao plano de ajuda dos EUA aos colombianos,
no valor de US$ 7 bilhões, para combater o narcotráfico e os grupos
guerrilheiros que se financiam por meio dele. A iniciativa, que
completou uma década e costuma ser qualificada de "imperialista" por
seus opositores, reduziu à metade a área de coca plantada no país e
minou as narcoguerrilhas. Mesmo assim, o plano ficou longe de atingir o
principal objetivo, que era reduzir o consumo de cocaína nos EUA: 95% da
droga vendida para os americanos ainda vem da Colômbia.
Além
disso, com o desmantelamento dos grandes cartéis colombianos, o comércio
das drogas se fragmentou pela América Central e pelo México, tornando
muito mais complicado combatê-lo. Por esse motivo, parece claro que o
Brasil, que de simples corredor do narcotráfico passou a grande
consumidor, não pode deixar de agir de modo mais abrangente contra esse
crime - cujo perfil internacional demanda das autoridades ações
extraterritoriais, com todos os riscos que isso implica, a começar pelo
problema de ser visto como ameaça à soberania alheia.
"Erradicar
as plantações é mais eficiente do que simplesmente apreender a carga.
Esses pés (de coca) estão próximos à fronteira com o Brasil, ou seja,
vão abastecer o mercado brasileiro", justificou o diretor de Combate ao
Crime Organizado da PF, delegado Oslain Santana. A Polícia Federal
constatou que as áreas de plantação de coca nos países vizinhos vêm
avançando na direção da fronteira com o Brasil nos últimos cinco anos, o
que motivou, desde 2008, a cooperação entre os países da área. Em 2011,
Brasil e Peru fizeram um acordo que permite a entrada de brasileiros
para destruir laboratórios e plantações em território peruano - origem
de 38% da cocaína vendida aqui. Nas últimas duas semanas, foram
destruídos 100 hectares de plantações. Além de brasileiros e peruanos,
atuaram agentes colombianos e da DEA, a agência americana
antinarcóticos.
O maior problema brasileiro, no entanto, está na
Bolívia, responsável por 54% da cocaína que entra no Brasil. Há apenas
1.400 policiais brasileiros para controlar os 16 mil km de nossas
fronteiras. Contudo, o presidente boliviano, Evo Morales, ainda não
avalizou a cooperação, e ainda há a agravante de que a DEA foi expulsa
de lá em 2008, sob acusação de fomentar a oposição. Em 2011, porém,
Morales aceitou assinar, a pedido dos brasileiros, um acordo com Brasil e
EUA pelo qual os americanos fornecem equipamentos e financiamento para
monitorar o plantio de coca na Bolívia.
Parece haver firme
determinação do governo brasileiro de atuar com mais rigor no combate ao
narcotráfico, ainda que ao custo de parecer "imperialista". Além da
ação fora do território nacional, houve, desde agosto do ano passado,
uma série de grandes operações ao longo da fronteira, numa demonstração
de força que envolveu milhares de soldados do exército e agentes da
Polícia Federal. Por outro lado, porém, um dos principais projetos da
presidente Dilma Rousseff para aprimorar essas ações - o uso dos Vants
(veículos aéreos não tripulados) para flagrar traficantes - ainda não
foi lançado, por causa de disputas na Polícia Federal e por negligência
do governo, respeitando o conhecido padrão de incompetência da
administração petista no uso de dinheiro público.
Por fim, o
narcotráfico só retrocederá de fato no Brasil quando o mercado
consumidor daqui deixar de ser atraente, seguindo a velha lei da oferta e
da procura. Como mostra o fiasco dos EUA, no entanto, esse desafio
requer muito mais do que a simples repressão.
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