quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

BOLA DA VEZ DA MIGRAÇÃO E ILEGAIS DESAFIAM A FRONTEIRA


Brasil é a bola da vez da migração. Números do governo federal demarcam um novo fluxo de entrada de estrangeiros no Brasil, seja para morar seja para trabalhar. O mais recente levantamento do Ministério do Trabalho e Emprego reforça que 2011 já supera o contingente de 2010 - Patrícia Comunello, com agência Globo - 02/01/2012

Depois de duas décadas exportando mão de obra brasileira para o mundo, o Brasil volta a ser uma nação de imigrantes, resgatando uma característica de sua história que parecia perdida após anos de crises econômicas. Levantamento do Ministério da Justiça mostra que a quantidade de estrangeiros vivendo no Brasil - trabalhando, estudando ou simplesmente acompanhando seus cônjuges - superou, pela primeira vez em 20 anos, o número de brasileiros que deixam o País para viver no exterior pelos mesmos motivos.

Segundo o Departamento de Estrangeiros da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça, o número de estrangeiros em situação regular no Brasil aumentou 52,4% no primeiro semestre de 2011, e continuou crescendo no segundo semestre do ano passado. Até junho, o Brasil tinha 1,466 milhão de estrangeiros contra 961.877 em dezembro de 2010. A concessão de vistos de permanência cresceu 67% de 2009 para 2010, enquanto os processos de naturalização dobraram: de 1.056 para 2.116.

O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) reforça o fluxo ascendente de pessoas com visto temporário para trabalho. De janeiro a setembro, 49.291 indivíduos estavam nesta condição ante 38.647 do mesmo período de 2010. O Rio Grande do Sul somou 710 emissões, ante 960 de todo 2010. Entre os perfis que são seduzidos para residir em território gaúcho estão pessoas da área artística e esportiva (36,3%), de assistência técnica, cooperação técnica e transferência de tecnologia sem vínculo empregatício (20,6%), assistência técnica por prazo de até 90 dias sem vínculo empregatício (17,6%) e especialista com vínculo empregatício (7%).

Para o engenheiro eletrônico colombiano Diego Goméz, o Brasil virou terra de oportunidades. Goméz veio para Porto Alegre em 2009 por meio do programa de intercâmbio da Associação Internacional de Estudantes de Ciências Econômicas e Comerciais (Aiesec). Recém-formado em Bogotá, ele decidiu que iria ao exterior atrás de experiência e conhecimento para um dia voltar à sua terra e abrir seu próprio negócio. “Queria conhecer o que ocorria pelo mundo na minha área. Sair sem nada e voltar com muita coisa”, justifica o colombiano, hoje com 25 anos e que em 2010 obteve visto de trabalho na empresa onde começou como trainee. Colombianos responderam pela sexta maior corrente de imigração para trabalho temporário de até dois anos, segundo o MTE. Americanos lideraram o ingresso.

A demanda por trabalhadores em TI no Brasil também elevou as chances de colocação. “Aqui tem pouco profissional para o volume de trabalho. Em meu país, é o oposto”, descreve o engenheiro, que espera qualificar seu currículo para atuar em grandes empresas quando tiver de voltar para casa. Na adaptação à cultura e à vida local, Goméz diz que não teve muita dificuldade em se ajustar ao ritmo da Capital gaúcha, com seus 1,4 milhão de habitantes, em contraste com os 8 milhões de Bogotá. O desenvolvedor de sistemas valoriza o ambiente favorável à inovação. “Gosto de criar do zero, de ver o filho crescer, e tenho projetos novos a cada três meses. Penso em voltar um dia a Bogotá, mas por enquanto estou bem aqui. Gosto muito do que faço”, garantiu o estrangeiro.

O ingresso de formados para estágio remunerado atraiu 142 estrangeiros até dezembro ao País, enquanto foram 183 em 2010. Áreas de maior interesse se situam entre segmentos técnicos, engenharias e Tecnologia da Informação. Já o número de estudantes que viajam ao Brasil para trabalho remunerado, sem relação com intercâmbio, chegou a 304, ante 242 do ano anterior. O presidente o escritório da Aiesec em Porto Alegre, Cícero Hennemann Machado, associa a queda dos estágios a mudanças na legislação brasileira, que exige vínculo do programa com alguma universidade. “Estamos conversando com duas universidades gaúchas para celebrar um convênio. O que tem crescido é o fluxo para trabalho voluntário”, contrasta Machado. A associação registrou 786 jovens atraídos neste ano para este tipo de atividade, ante 353 de 2010.

Estrangeiros afinam domínio do idioma e da cultura

FREDY VIEIRA/JC

Doigawa está há sete meses na Capital e já fala o português
O japonês Yoshitake Doigawa, aos 24 anos, já domina o português. Empregado de uma companhia japonesa que atua em diversos segmentos de comércio exterior, o jovem está há sete meses em Porto Alegre fazendo imersão na língua e nas peculiaridades da cultura brasileira. Ele se prepara para assumir uma função em um dos escritórios da empresa e deve ficar até março na Capital gaúcha. “No Japão, fala-se muito do crescimento do Brasil. Muitos amigos meus queriam estar aqui”, atesta o jovem, que fez formação em teoria da arte.
Além do idioma, Yoshi, como é chamado na escola que frequenta no bairro Mont’Serrat, assimila a diversidade do País, travando contato com a geografia, a economia e os costumes de todas as regiões. Religião é um dos focos, ressalta o japonês. “Nunca vou estar pronto, mas entendo cada vez mais como agem os brasileiros”, anima-se Yoshi. O pouco tempo de convivência local também já revelou o que os consumidores brasileiros experimentam mais intensamente nos últimos anos: o acesso a produtos asiáticos oriundos da China e Coreia do Sul. “O Japão precisa se esforçar para recuperar terreno.”

Alunos como o japonês aumentaram o trabalho e o nicho de mercado para cursos de português para estrangeiros. “O português assumiu outra posição no mundo”, destaca Graziela Andrighetti, que montou com mais duas sócias a escola BemBrasil, com sede em Porto Alegre. O trio, que dava aulas do idioma em projetos da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Ufrgs), criou um mix de aprendizado, que une língua, cultura, hábitos, economia e o jeito que os brasileiros fazem negócios. “É tudo customizado, de acordo com o foco da empresa e do profissional que vem para cá”, ressalta Graziela. Entre as nacionalidades que mais buscam o serviço estão, além da japonesa, a alemã, a espanhola, as latinas e a inglesa. Os ramos de atuação abrangem construção civil, arquitetura, tecnologia e postos de gestão de multinacionais.

Tratamento a ilegais desafia a nova fronteira

Não há estatísticas oficiais sobre a quantidade de imigrantes em situação irregular no País, mas os principais institutos e ONGs que trabalham com imigrantes no Brasil calculam esse número em 600 mil, o que levaria o total de estrangeiros morando hoje no Brasil para mais de dois milhões. O crescimento desse grupo também é grande. Segundo a maior instituição de apoio aos imigrantes irregulares no País - o Centro Pastoral do Migrante, em São Paulo - a instituição hospedou 477 pessoas em 2010 (267 da América do Sul), alta de 76%

A explosão de entrada de estrangeiros no País (imigração) contrasta com o encolhimento na ida de brasileiros para o exterior (emigração). O ministério estima que hoje dois milhões de brasileiros vivam no exterior, uma queda radical em comparação a 2005, quando eram quatro milhões. A razão para a balança migratória ter mudado de lado é econômica, explica o secretário nacional de Justiça, Paulo Abrão. O crescimento da economia brasileira, aliado às crises que afetam os três maiores polos de desenvolvimento mundial - EUA, Europa e Japão - transformaram o País num ímã de mão de obra legal e ilegal. “Com esse movimento migratório econômico, o Brasil voltou a ser um país de imigração e não mais de emigração. E à medida que o Brasil vai enriquecendo, a questão da imigração vai se tornando cada vez mais importante”, afirma Abrão.

Apesar disso, dizem representantes das organizações e universidades que estudam o assunto, o governo não tem uma política para lidar com o tema. “A anistia concedida aos imigrantes em 2009 foi importante, mas não resolve um problema que é basicamente de mercado de trabalho”, diz o professor Helion Póvoa Neto, do Núcleo Interdisciplinar de Estudos Migratórios da UFRJ. “Com o assunto disperso entre vários ministérios, acaba que os imigrantes só são visíveis quando a Polícia Federal, um órgão de governo preocupado com segurança, investiga algum caso criminoso de trabalho escravo ou tráfico de pessoas.”

Entre os imigrantes legais, os maiores grupos são os de origem portuguesa, boliviana, chinesa e paraguaia, nesta ordem. Entre os irregulares, tomando como base os registros de estrangeiros que aproveitaram a anistia concedida pelo então presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2009 - quem estivesse em situação irregular poderia pleitear um visto provisório e, em dois anos, regularizar sua situação -, os maiores grupos são os bolivianos (40% do total de cerca de 47 mil vistos provisórios emitidos), chineses (13%), peruanos (11%), paraguaios (10%) e coreanos (3%).

Há 20 anos dando assistência jurídica a imigrantes, a advogada da Pastoral do Migrante em São Paulo, Ruth Camacho, diz que os latinos são muito discriminados no Brasil e, acuados e sem informação, demoram a perceber que estão sendo explorados. “Nos últimos anos, têm vindo muitos imigrantes de zonas mais afastadas e rurais da Bolívia. É uma situação que lembra a dos nordestinos na década de 1970. O boliviano chega e tudo que tem é uma cama. Mas ele se sente bem, porque pensa: aqui tenho casa, comida e ainda ganho um dinheirinho.”

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