quarta-feira, 18 de dezembro de 2013

MULTINACIONAL DO CRIME



ZERO HORA 18 de dezembro de 2013 | N° 17648

THIAGO TIEZE

Quadrilha agia no Uruguai e no Paraguai

Organizado em uma espécie de consórcio, bando desarticulado ontem era especializado em roubo e clonagem de veículos, tráfico de drogas e de armamento pesado e assaltos a bancos na serra gaúcha



Após dois anos de investigações, a Polícia Civil conseguiu desarticular uma quadrilha que agia em pelo menos 19 cidades do Rio Grande do Sul. Responsáveis por traficar armas e drogas em quase todas as regiões do Estado, os criminosos chegavam a movimentar R$ 2 milhões em um mês.

Oritual do bando, de comprar drogas no Paraguai e armas no Uruguai, não é novidade, mas a distribuição dos bandidos e o alcance da quadrilha chamaram a atenção da polícia.

– Atingimos o primeiro e o segundo escalões do bando. Acreditamos ter dado um duro golpe numa cadeia de crimes – afirma o delegado Mário Souza, da 1ª Delegacia de Investigação do Narcotráfico (DIN) do Departamento Estadual de Investigaçõs do Narcotráfico (Denarc).

A Operação Expansão, realizada na manhã de ontem, conseguiu prender 42 pessoas, ao longo da investigação outras 14 já haviam sido presas. Nesse período, segundo Souza, o grupo criminoso teria participado do assalto a uma fábrica de joias em Cotiporã, na serra gaúcha, no final de dezembro do ano passado, quando três bandidos acabaram morrendo em confronto com a Brigada Militar.

O mesmo bando ainda teria participado do assalto a agências do Banrisul e do Sicredi em Pedras Altas, na Região Sul, realizado em abril deste ano, além de tentar sequestrar um empresário em Vera Cruz, no Vale do Rio Pardo. Considerado um grupo grande, a quadrilha contava com pelo menos 11 líderes, que negociavam as ações criminosas. De acordo com a investigação, o grupo mantinha contatos com organizações criminosas de fora do Estado.

Segundo apontou a investigação, os bandidos clonavam carros que, por meio de uma duas revendas no Vale do Sinos, eram trocados por drogas no Paraguai. Com o dinheiro adquirido no tráfico de entorpecentes, eles compravam armas pesadas no Uruguai (fuzis, rifles e pistolas) e distribuíam para os integrantes da quadrilha no Estado, ou ainda, alugavam e revendiam para outros bandos.

– A especialização dos líderes, que respondiam ou pelas armas, ou pelas drogas, ou ainda pela contabilidade, demonstra a organização de uma grande rede de crimes, alimentados, de uma forma ou de outra, pelo tráfico – define o delegado Heliomar Franco, diretor do Denarc.


Executivos do tráfico

CARLOS WAGNER

A paciência é o pilar da investigação. A Operação Expansão é uma das raras ocasiões em que a polícia consegue derrubar os cabeças, como são definidos os donos do capital, das armas e das estratégias que determinam os alvos a serem atacados pelas quadrilhas.

Esses homens presos operam nas sombras. Os chamados “capangas” (ou “operacionais”) são os bandidos que atacam os alvos, geralmente jovens em busca de aventura e de dinheiro fácil. É muito comum ouvir, pelos corredores das delegacias, a expressão “enxugar gelo” para descrever a continuidade dos crimes, que é creditada às leis que tratam com pouca severidade os criminosos. Eis um lado da questão.

O outro é que as pessoas presas simplesmente já haviam substituído os capangas que foram presos durante assaltos anteriores e assim por diante. Desta forma, foram precisos dois anos, e muita paciência, para a polícia conseguir desarticular esse grupo. Mas o trabalho ainda não está completo. Será preciso mais uma dose de paciência para conhecer e esmiuçar o sistema de lavagem de dinheiro que eles montaram.

Se esse sistema não for destruído, o dinheiro continuará abastecendo esses criminosos. E mesmo na cadeia eles continuarão financiando o crime. Aliás, o sistema de comprar armas no Uruguai e drogas no Paraguai, usando como moeda de troca carros clonados, não é novo. Seguindo a lógica do crime, um outro grupo de financiadores de criminosos deve substituir o que foi preso. Destruir esse sistema é o sonho de consumo dos policiais. A Operação Expansão foi uma pedrada bem dada nos “cabeções”.


Investigação durou dois anos

As investigações da 1ª Delegacia de Investigação do Narcotráfico (DIN) do Departamento Estadual do Narcotráfico (Denarc) apontaram que a quadrilha lavava o dinheiro do crime em uma rede de lojas administras por comparsas.

Conforme a polícia, o lucro resultante do tráfico e de assaltos era investido em revendas de carros no Vale do Sinos, padarias, confeitarias, cafeterias e lojas de roupas na Capital, Região Metropolitana e Vale do Taquari. Somente em um mês, com esse sistema, os traficantes teriam movimentado R$ 2 milhões.

De acordo com o delegado Mário Souza, da 1ª DIN do Denarc, a investigação começou após a prisão de um traficante em Eldorado do Sul, na Região Metropolitana. A partir desta prisão, o esquema começou a ser mapeado pelos agentes.

Ao longo do monitoramento, a polícia conseguiu identificar pelo menos 11 líderes na quadrilha, sendo três responsáveis individualmente pelas armas, drogas e contabilidade, e outros oito chefes regionais do bando, que somente não atuava na Fronteira Oeste e região Norte.

Comando Vermelho e PCC auxiliavam grupo no Estado

Na ação, a polícia conseguiu prender criminosos suspeitos de ligação com o Primeiro Comando da Capital (PCC), criada a partir dos presídios de São Paulo, e com o Comando Vermelho (CV), que atua no Rio de Janeiro e controla o tráfico de drogas as favelas cariocas. Eles também teriam participado de ações como o assalto em Cotiporã, no final de 2012.

– Essa quadrilha mantinha contato com outras organizações criminosas, mas aparentemente não era auxiliada por elas – afirma o delegado Souza.

O próximo passo é identificar as contas bancárias do bando e todas as empresas utilizadas pela quadrilha para lavar dinheiro. Até o momento, já foram mapeadas seis contas, mas a polícia acredita que haja outras. Ao todo, a Operação Expansão, realizada na manhã de ontem em 16 municípios, resultou na prisão de 56 pessoas ao longo de dois anos. Sessenta quilos de maconha, 5,5 quilos de crack e 2,5 quilos de cocaína, além de espingarda, pistola 9 milímetros, munição, dinheiro e carros foram apreendidos.

Pouco antes da operação ter iniciado, os policiais realizaram um minuto de silêncio em homenagem a dois colegas mortos recentemente: Carlos Heitor Bossler, 58 anos, assassinado ao reagir a um assalto no bairro Santo Antônio, e Marcos Kaefer, 43 anos, morto após ser atingido, em frente a um hospital, por um tiro disparado por um PM em Alvorada.

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