G1 09/12/2013 15h11
Exército teme que plantação de coca do Peru 'transborde' para o Brasil. Vale do Javari fica no Amazonas, na tríplice fronteira com Peru e Colômbia. Dois pelotões do Exército tentam evitar o plantio de coca no lado brasileiro.
Tahiane StocheroDO G1, no Amazonas e em Roraima
O longínquo e inóspito Vale do Javari, na tríplice fronteira do Brasil com Peru e Colômbia, é a região que, atualmente, mais preocupa os militares brasileiros responsáveis pela defesa das divisas amazônicas. A área indígena localizada no extremo oeste do Amazonas foi apelidada de "novo eldorado do narcotráfico", onde uma variedade da planta de coca, modificada para resistir ao clima úmido, está sendo cultivada ao longo da faixa fronteiriça.
A repressão à atuação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs) fez a área de coca plantada no país vizinho cair mais de 25% em 2012. Com isso, o foco dos militares brasileiros voltou-se para o lado peruano do Vale do Javari. O Exército teme que a plantação transborde para o território brasileiro.
"Estamos fazendo de tudo para impedir que a plantação de cocaína no Peru, na fronteira com o Brasil, transborde para nossa área. Estamos tomando todas as medidas possíveis neste sentido", disse o general Eduardo Villas Boas, comandante militar da Amazônia. "Claro que o risco de confronto [entre soldados brasileiros e narcotraficantes] é real".
Segundo o coronel Marco Machado, comandante do 8º Batalhão de Infantaria da Selva, que cuida da área, não há plantações de coca conhecidas do lado brasileiro até agora. "Hoje, eu te digo, com quase toda certeza, que não existe plantação de coca nesta área do lado brasileiro. Toda suspeita, vamos lá e conferimos. Até agora, nada foi confirmado", afirmou.
Em um estudo publicado pela revista “Science” em novembro, cientistas apontaram a área do Vale do Javari como uma das dez regiões protegidas mais "insubstituíveis" do mundo, devido à biodiversidade que possui.
'Consequências graves'
De acordo com o general Villas Boas, há "uma preocupação muito grande" para evitar que o Brasil passe a ter plantações. "Queremos evitar que haja a vinda de plantações para o lado brasileiro. Se isso acontecer, o Brasil deixará de ser apenas consumidor para ser produtor de coca. E isso pode nos trazer consequências graves e pressão no âmbito internacional", disse.
Base miltiar em Estirão do Equador, que cuida do Vale
do Javari. Do outro lado do rio área peruana
(Foto: 8º Batalhão de Infantaria de Selva/Divulgação)
Villas Boas afirma que a coca, no Peru, faz parte da cultura da população. Pela localização e fácil escoamento pelo rio, a droga produzida na fronteira acaba introduzida quase totalmente em território brasileiro, em direção ao Nordeste do país. "O narcotráfico é intenso nesta faixa de fronteira", disse o general.
"As organizações ainda são incipientes, mas estão caminhando para uma organização. A facção criminosa que age dentro e fora dos presídios em São Paulo já possui um braço armado aqui no Amazonas. É evidente que, em um momento ou outro, pode haver este conflito", acrescentou.
Problemas nas bases
O Exército conta com duas pequenas bases avançadas na região, chamados de pelotões de fronteira, em Estirão do Equador e em Palmeiras do Javari. O primeiro tem dificuldades para dar apoio à tropa: a única pista de pouso existente está em condições precárias e fica a 7 km da sede militar, isolada por um rio, já que a única estrada de terra de acesso está ruim e não pode ser usada.
"A mata pegou de volta", disse o coronel Marco Machado. As obras para melhoria da pista e da rodovia devem começar em 2013 e levar até dois anos para serem concluídas, segundo o coronel.
Militares pintam rostos com camuflagem para a selva
antes de patrulha no Vale do Javari
(Foto: 8º Batalhão de Infantaria de Selva/Divulgação)
Uma ponte, que ligaria a estrada ao pelotão do Exército, também caiu devido às chuvas. O acesso agora é só por barco – são mais de 8 horas para transpor cachoeiras, pedras e águas caudalosas, impedindo a chegada de equipamentos pesados a partir da pista de pouso localizada nas proximidades.
Pela água, a partir de Tabatinga, cidade irmã com a vizinha Letícia, na Colômbia, são sete dias de viagem de voadeira – espécie de embarcação de madeira movido a motor a diesel – ou uma hora de avião, dependendo da disponibilidade da Aeronáutica.
"Esta área é considerada o novo eldorado da cocaína, é a mesopotâmia da droga do século XXI. Aqui você tem insumo para fazer fabricação, como gasolina e cimento baratos. Você tem facilidade de escoamento – bateu na calha do Rio Solimões, chega a Manaus – e há muita mão de obra disponível e barata. As pessoas da região não têm do que sobreviver", afirmou machado. Ao longo do Rio Javari há oito comunidades brasileiras e 87 peruanas.
Em 2012, as apreensões da Polícia Federal (PF) e do Exército de pasta base de cocaína em Tabatinga (AM) somaram 248.619 quilos. Só nos primeiros 10 meses de 2013, o número quase duplicou: foram 557.740 quilos.
Segundo os militares, os traficantes pararam de atuar em grandes laboratórios, o que passou a dificultar a apreensão em larga escala. "Não tem nenhuma tropa militar de Forças Armadas do Peru nesta área. Eles estão voltados para o sul do país, combatendo o ressurgimento do Sendero Luminoso [grupo terrorista peruano] em uma área de plantação de coca no vale de Quatro Rios", afirmou Machado.
"Então tudo isso cria condições para que, no futuro, o Vale do Rio Javari se torne um grande problema para nós. É uma área estratégica que temos que nos preocupar", acredita ele.
O G1 questionou o Ministério da Defesa e as Forças Armadas do Peru sobre a situação na região. O Exército peruano disse que iria se manifestar sobre o tema, mas, até a publicação desta reportagem, não se pronunciou.
Pelotão isolado
Ao longo da fronteira amazônica com cinco países, o Brasil possui 24 pelotões especiais de fronteira (PEF), sendo que a base de Estirão de Equador, responsável por cuidar do Vale do Javari, é a que está em piores condições. Com 65 soldados, é o posto mais isolado
Além do narcotráfico, outra questão que preocupa é a exploração de petróleo e gás, que é autorizada pelo Peru, mas não é aceita pelos indígenas, que ameaçaram começar uma guerra. Na região, militares reprimem também o corte ilegal de madeira e a exploração de minério. Toda embarcação que passa pelo rio tem que ser parada e revistada. Porém, há um problema legal: como uma faixa do rio fica do lado peruano, algumas embarcações alegam que não estão no lado brasileiro e se negam a cumprir as regras.
Segundo coronel Machado, várias reclamações e abaixo assinados foram feitos contra os militares por peruanos querendo derrubar a determinação. "Os mesmos que reclamam de nossa atuação, procuram nossa ajuda nas horas de crise", disse o oficial. Isso porque os peruanos que se deslocam para a região para trabalhar para garimpeiros e madeireiros procuram a tropa brasileira pedindo ajuda devido a problemas de saúde.
As bases do Brasil em Estirão do Equador e em Palmeiras do Javari são os únicos locais onde os moradores encontram um médico. Só em 2013, o Exército brasileiro já teve que evacuar de avião cinco peruanos em situações graves de emergência após a população atravessar o rio procurando apoio do lado brasileiro.
"O que o pelotão faz o dia inteiro, 360 dias por ano, 24 horas por dia, é o controle da calha do Rio Javari. Todas embarcações são paradas e revistadas. Temos poder de polícia, mas nós não somos polícia de fronteira. Não estamos aqui para substituir os outros órgãos do Estado brasileiro que deveriam estar presentes na fronteira e não estão", afirmou o coronel Machado.
Questionado sobre a necessidade de manter agentes da Polícia Federal na área, o delegado da PF em Tabatinga, Gustavo Pivoto, que responde pelo Vale do Javari, diz que "o Exército já trabalha de forma ostensiva na área e possui boa rede de informações, garantindo a soberania e defesa do país na região".
Segundo Pivoto, a distância impede a PF de manter efetivo no local. “Não estamos falando de uma rua, mas de uma área sem estrutura no meio do nada. A presença do Estado brasileiro se faz por meio do Exército", disse.
Exército teme que plantação de coca do Peru 'transborde' para o Brasil. Vale do Javari fica no Amazonas, na tríplice fronteira com Peru e Colômbia. Dois pelotões do Exército tentam evitar o plantio de coca no lado brasileiro.
Tahiane StocheroDO G1, no Amazonas e em Roraima
O longínquo e inóspito Vale do Javari, na tríplice fronteira do Brasil com Peru e Colômbia, é a região que, atualmente, mais preocupa os militares brasileiros responsáveis pela defesa das divisas amazônicas. A área indígena localizada no extremo oeste do Amazonas foi apelidada de "novo eldorado do narcotráfico", onde uma variedade da planta de coca, modificada para resistir ao clima úmido, está sendo cultivada ao longo da faixa fronteiriça.
A repressão à atuação das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farcs) fez a área de coca plantada no país vizinho cair mais de 25% em 2012. Com isso, o foco dos militares brasileiros voltou-se para o lado peruano do Vale do Javari. O Exército teme que a plantação transborde para o território brasileiro.
"Estamos fazendo de tudo para impedir que a plantação de cocaína no Peru, na fronteira com o Brasil, transborde para nossa área. Estamos tomando todas as medidas possíveis neste sentido", disse o general Eduardo Villas Boas, comandante militar da Amazônia. "Claro que o risco de confronto [entre soldados brasileiros e narcotraficantes] é real".
Segundo o coronel Marco Machado, comandante do 8º Batalhão de Infantaria da Selva, que cuida da área, não há plantações de coca conhecidas do lado brasileiro até agora. "Hoje, eu te digo, com quase toda certeza, que não existe plantação de coca nesta área do lado brasileiro. Toda suspeita, vamos lá e conferimos. Até agora, nada foi confirmado", afirmou.
Em um estudo publicado pela revista “Science” em novembro, cientistas apontaram a área do Vale do Javari como uma das dez regiões protegidas mais "insubstituíveis" do mundo, devido à biodiversidade que possui.
'Consequências graves'
De acordo com o general Villas Boas, há "uma preocupação muito grande" para evitar que o Brasil passe a ter plantações. "Queremos evitar que haja a vinda de plantações para o lado brasileiro. Se isso acontecer, o Brasil deixará de ser apenas consumidor para ser produtor de coca. E isso pode nos trazer consequências graves e pressão no âmbito internacional", disse.
Base miltiar em Estirão do Equador, que cuida do Vale
do Javari. Do outro lado do rio área peruana
(Foto: 8º Batalhão de Infantaria de Selva/Divulgação)
Villas Boas afirma que a coca, no Peru, faz parte da cultura da população. Pela localização e fácil escoamento pelo rio, a droga produzida na fronteira acaba introduzida quase totalmente em território brasileiro, em direção ao Nordeste do país. "O narcotráfico é intenso nesta faixa de fronteira", disse o general.
"As organizações ainda são incipientes, mas estão caminhando para uma organização. A facção criminosa que age dentro e fora dos presídios em São Paulo já possui um braço armado aqui no Amazonas. É evidente que, em um momento ou outro, pode haver este conflito", acrescentou.
Problemas nas bases
O Exército conta com duas pequenas bases avançadas na região, chamados de pelotões de fronteira, em Estirão do Equador e em Palmeiras do Javari. O primeiro tem dificuldades para dar apoio à tropa: a única pista de pouso existente está em condições precárias e fica a 7 km da sede militar, isolada por um rio, já que a única estrada de terra de acesso está ruim e não pode ser usada.
"A mata pegou de volta", disse o coronel Marco Machado. As obras para melhoria da pista e da rodovia devem começar em 2013 e levar até dois anos para serem concluídas, segundo o coronel.
Militares pintam rostos com camuflagem para a selva
antes de patrulha no Vale do Javari
(Foto: 8º Batalhão de Infantaria de Selva/Divulgação)
Uma ponte, que ligaria a estrada ao pelotão do Exército, também caiu devido às chuvas. O acesso agora é só por barco – são mais de 8 horas para transpor cachoeiras, pedras e águas caudalosas, impedindo a chegada de equipamentos pesados a partir da pista de pouso localizada nas proximidades.
Pela água, a partir de Tabatinga, cidade irmã com a vizinha Letícia, na Colômbia, são sete dias de viagem de voadeira – espécie de embarcação de madeira movido a motor a diesel – ou uma hora de avião, dependendo da disponibilidade da Aeronáutica.
"Esta área é considerada o novo eldorado da cocaína, é a mesopotâmia da droga do século XXI. Aqui você tem insumo para fazer fabricação, como gasolina e cimento baratos. Você tem facilidade de escoamento – bateu na calha do Rio Solimões, chega a Manaus – e há muita mão de obra disponível e barata. As pessoas da região não têm do que sobreviver", afirmou machado. Ao longo do Rio Javari há oito comunidades brasileiras e 87 peruanas.
Em 2012, as apreensões da Polícia Federal (PF) e do Exército de pasta base de cocaína em Tabatinga (AM) somaram 248.619 quilos. Só nos primeiros 10 meses de 2013, o número quase duplicou: foram 557.740 quilos.
Segundo os militares, os traficantes pararam de atuar em grandes laboratórios, o que passou a dificultar a apreensão em larga escala. "Não tem nenhuma tropa militar de Forças Armadas do Peru nesta área. Eles estão voltados para o sul do país, combatendo o ressurgimento do Sendero Luminoso [grupo terrorista peruano] em uma área de plantação de coca no vale de Quatro Rios", afirmou Machado.
"Então tudo isso cria condições para que, no futuro, o Vale do Rio Javari se torne um grande problema para nós. É uma área estratégica que temos que nos preocupar", acredita ele.
O G1 questionou o Ministério da Defesa e as Forças Armadas do Peru sobre a situação na região. O Exército peruano disse que iria se manifestar sobre o tema, mas, até a publicação desta reportagem, não se pronunciou.
Pelotão isolado
Ao longo da fronteira amazônica com cinco países, o Brasil possui 24 pelotões especiais de fronteira (PEF), sendo que a base de Estirão de Equador, responsável por cuidar do Vale do Javari, é a que está em piores condições. Com 65 soldados, é o posto mais isolado
Além do narcotráfico, outra questão que preocupa é a exploração de petróleo e gás, que é autorizada pelo Peru, mas não é aceita pelos indígenas, que ameaçaram começar uma guerra. Na região, militares reprimem também o corte ilegal de madeira e a exploração de minério. Toda embarcação que passa pelo rio tem que ser parada e revistada. Porém, há um problema legal: como uma faixa do rio fica do lado peruano, algumas embarcações alegam que não estão no lado brasileiro e se negam a cumprir as regras.
Segundo coronel Machado, várias reclamações e abaixo assinados foram feitos contra os militares por peruanos querendo derrubar a determinação. "Os mesmos que reclamam de nossa atuação, procuram nossa ajuda nas horas de crise", disse o oficial. Isso porque os peruanos que se deslocam para a região para trabalhar para garimpeiros e madeireiros procuram a tropa brasileira pedindo ajuda devido a problemas de saúde.
As bases do Brasil em Estirão do Equador e em Palmeiras do Javari são os únicos locais onde os moradores encontram um médico. Só em 2013, o Exército brasileiro já teve que evacuar de avião cinco peruanos em situações graves de emergência após a população atravessar o rio procurando apoio do lado brasileiro.
"O que o pelotão faz o dia inteiro, 360 dias por ano, 24 horas por dia, é o controle da calha do Rio Javari. Todas embarcações são paradas e revistadas. Temos poder de polícia, mas nós não somos polícia de fronteira. Não estamos aqui para substituir os outros órgãos do Estado brasileiro que deveriam estar presentes na fronteira e não estão", afirmou o coronel Machado.
Questionado sobre a necessidade de manter agentes da Polícia Federal na área, o delegado da PF em Tabatinga, Gustavo Pivoto, que responde pelo Vale do Javari, diz que "o Exército já trabalha de forma ostensiva na área e possui boa rede de informações, garantindo a soberania e defesa do país na região".
Segundo Pivoto, a distância impede a PF de manter efetivo no local. “Não estamos falando de uma rua, mas de uma área sem estrutura no meio do nada. A presença do Estado brasileiro se faz por meio do Exército", disse.
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