domingo, 31 de julho de 2011

CRIMES SEM FRONTEIRAS

A história da prisão do traficante de Santa Catarina que desafiava o Paraguai. O DC conta como o criminoso se tornou chefe de gangue e assaltante de banco no país vizinho. Diogo Vargas - DIÁRIO CATARINENSE, 30/07/2011 | 19h50min

Clóvis Cândido, o Cabelo, 29 anos, é o mais recente bandido de Santa Catarina a ser capturado no Paraguai. O ex-morador de Florianópolis tem 14 anos de prisão a cumprir no Estado. Rumou para o país vizinho para comandar o tráfico de drogas, armas e também um milionário assalto a banco.

No noticiário policial catarinense, as suas aparições são raras e sem destaque. Nada comparado ao histórico de envolvimentos em crimes em terras paraguaias, onde passou a figurar em primeiras páginas. Isso porque as autoridades daquele país afirmam que, no território hermano, ele seria o cérebro da facção criminosa Primeiro Comando da Capital (PCC), que age de dentro e fora das prisões de São Paulo.

A história de Cabelo revela a fragilidade das autoridades brasileiras em prender foragidos da Justiça, a ineficiência da fiscalização das fronteiras, a conexão entre o conhecido mundo do crime instalado no Paraguai e bandoleiros brasileiros. É de lá que chega a grande maioria da droga consumida em Santa Catarina, depois de passar pelo corredor dos entorpecentes, pelo Mato Grosso do Sul (Ponta Porã) e Paraná.

Na capital catarinense, em 2005, o paranaense Clóvis se envolveu com o tráfico de drogas no Bairro Rio Vermelho, Norte da Ilha. Agia também na Favela do Siri, nos Ingleses, com familiares vindos de Coronel Vivida (PR). Destemido, arrumava confusões, não se separava de armas e tentava impor medo aos moradores. Preso, cumpriu um ano e 10 meses de cadeia e voltou para as ruas, até ser preso definitivamente, em junho deste ano, no Paraguai.

No dia 12 de outubro de 2006, três dias após ganhar a liberdade condicional, Cabelo armou uma tocaia para matar Paulo Júnior Ferreira, o Rambinho, devedor de drogas de uma boca que Cabelo e seus familiares controlavam na Favela do Siri. Rambinho foi atraído para um suposto chamado num telefone público da rua. Quando apareceu, foi baleado. Mesmo ferido, conseguiu escapar dos traficantes e sobreviver.

Clóvis foi identificado pela polícia como um dos responsáveis pela tentativa de homicídio. No ano passado, foi condenado a 11 anos e quatro meses de prisão pelo crime. Há um mandado de prisão decretado contra ele pelo juiz Luiz Cesar Schweitzer, da Vara do Tribunal do Júri da Capital. A outra condenação é por tráfico: três anos de prisão. A ascensão no comando do tráfico do Norte da Ilha o fez ser caçado pela Delegacia de Repressão a Entorpecentes da Diretoria Estadual de Investigações Criminais (Deic).

Buscas sem sucesso na Capital, em 2007

Em 2007, numa das ruas do Bairro Rio Vermelho, um suposto “mula” (transportador de drogas) seu foi preso e a polícia apreendeu maconha. A Deic o indiciou por tráfico. Moradores da Rua das Orquídeas, lembram quando, há dois anos, equipes da Deic chegaram fortemente armadas cumprindo mandados de busca e apreensão em casas na tentativa de prendê-lo, mas sem sucesso.

Com o cerco se fechando, Cabelo partiu para o Paraguai. Montou sua base na cidade de Salto del Guairá, que faz fronteira com a brasileira Guaíra (PR) e é conhecida pelo centro de compras. Entrou com identidade falsa do Paraná usando o nome de Adrian Alex. Lá, a sua primeira missão foi comprar por R$ 5 mil uma identidade paraguaia com dados falsos brasileiros. Essa prática é comum por criminosos brasileiros fugitivos da Justiça e permitiu que ele fosse liberado no Mato Grosso do Sul, em sua primeira prisão no Paraguai, em 2010.

O jornal ABC Color, do Paraguai, estima que Cabelo chegou ao Paraguai em 2005 como traficante de favela. Nas fotografias publicadas em jornais e sites paraguaios, ele quase sempre está rindo ou com ar de deboche. Foi assim após ser detido por efetuar disparos de fuzil na rua e depois do assalto milionário ao Banco Continental de Salto del Guairá, em 10 de maio deste ano. O seu bando era composto por 16 ladrões. Eles renderam 18 pessoas e roubaram cerca de R$ 2 milhões. Na fuga, queimaram caminhonetes usadas no roubo para não deixar pistas. A quadrilha foi presa. Cabelo estava em Ciudad del Este, na tríplice fronteira com Paraguai, Brasil e a Argentina. Ele segue preso no Paraguai e não há informações sobre se será extraditado para o Brasil.

A possível conexão com o PCC, de São Paulo

O diretor da Deic, delegado Cláudio Monteiro, não acredita que Clóvis Candido seja ou exerça influência na facção criminosa de São Paulo. O policial diz que essa associação de bandidos brasileiros com o PCC costuma ser feita pela imprensa paraguaia para acelerar a extradição dos bandidos brasileiros presos no Paraguai.

Os jornalistas estrangeiros afirmam que o PCC se instalou no Paraguai com a atuação de Cabelo. Seria um soldado do grupo para cuidar do tráfico e abastecer o mercado brasileiro. Cabelo teria arrumado brigas no país e suas liberdades teriam custado caro ao comando. Para saldar dívidas, a imprensa paraguaia suspeita que planejou o assalto milionário ao banco.

O delegado Monteiro comandou investigações em SC contra o criminoso pelo tráfico de maconha, crack, cocaína e armas. Segundo ele, Cabelo era um dos principais traficantes do Norte da Ilha e no Paraguai atuava como distribuidor de drogas para o Estado.

— Temos informações que ele fazia essa conexão de drogas e armas para cá e que ainda há familiares seus envolvidos com o crime na região do Norte da Ilha — disse o delegado.

O DC esteve na Favela do Siri e no Bairro Rio Vermelho. Na Rua das Orquídeas, o número informado por Cabelo à Justiça como o seu endereço não existe. Vizinhos disseram que o número dado por ele é fictício e que sua base seria mesmo na Rua das Acácias, onde funcionariam bocas de fumo. Na Favela do Siri, os supostos familiares de Clóvis Cândido negaram que o conhecem.

Uma história que se repete

A migração de bandidos de SC para o Paraguai é antiga. Há que se considerar corrupção policial, falta de controle, facilidade de lavar dinheiro e obter documentos falsos no país vizinho como razões para isso. Mas o principal, na avaliação de policiais catarinenses, ainda é o “negócio” do crime que está lá.

É o negócio da droga, uma espécie de economia paralela do país. Trata-se de uma tradição de séculos no Paraguai. Começou com índios guaranis, considerados os primeiros cultivadores da erva. Hoje, há safras e safrinhas da maconha, cultivada aos montes e em qualquer época do ano. Estima-se que o Paraguai produza entre 3 mil a 5 mil hectares de maconha ao ano. Isso rende algo entre 9 e 15 milhões de quilos de maconha anualmente.

As autoridades paraguaias estimam que 90% da produção tem como destino o Brasil. A Secretaria Nacional Antidrogas (Senad) do Paraguai destruiu, ano passado, 1.013 hectares da droga – daria entre 3 mil a 5 mil toneladas. O Paraguai ainda recebe cocaína e crack da Bolívia antes do envio ao mercado consumidor do Brasil. Em 2010, a Senad destruiu 50 mil quilos de coca boliviana.

Falta de controle aéreo e terrestre atrapalha

Um dos motivos para essa atividade ilícita intensa é a falta de controle aéreo e terrestre e os aeroportos clandestinos. As cidades fronteiriças também servem de esconderijos para os criminosos. Ali acabam se criando os narcotraficantes brasileiros como Clóvis Cândido. Como conhecem o mercado consumidor daqui e mantêm as redes de contatos nos dois países, rapidamente tornam-se fortes distribuidores.

Nos últimos anos, pelo menos quatro barões da droga que atuavam em Santa Catarina foram presos no Paraguai. O mais conhecido deles é Sérgio de Souza, o Neném da Costeira, de Florianópolis. Preso em Encarnacion, em 2008, foi trazido para SC e em junho deste ano transferido para Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, por medida de segurança. Também estão na lista de presos os traficantes Jarvis Chimenes Pavão, Erineu Domingo Soligo, o Pingo (do Rio Grande do Sul) e Júlio César Wiese. A extradição de Pavão para SC ainda não aconteceu. Ele tem condenação no Estado de 12 anos e dois meses de prisão por associação ao tráfico de drogas e lavagem de dinheiro.

Fotos para evitar falsificações

A Justiça está tentando avançar nos modelos de mandados de prisão para evitar que bandidos se utilizem de documentos falsos para escapar da captura. A intenção é inserir fotos, tatuagens e outras informações nas ordens de prisão para identificar a pessoa na hora da abordagem. Hoje, o documento traz apenas os dados pessoais, como nome, endereço e telefone.

Na opinião do juiz da Coordenadoria de Execuções Penais e da Infância e Juventude do Tribunal de Justiça de SC, Alexandre Takaschima, essa nova ferramenta será importante para vencer o problema da documentação na hora das abordagens dos suspeitos.

– Por orientação do Conselho Nacional de Justiça (CJN) estamos tentando padronizar de forma eletrônica essas informações com as polícias. Como não temos jurisdição para atuar lá (Paraguai), dependemos do trabalho em equipe. É difícil, mas temos a cooperação e está se tornando mais comum – sintetiza o juiz, acreditando que os processos de extradição serão cada vez mais rotineiros e menos burocráticos.

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