Corrupção facilita ação de criminosos nas fronteiras brasileiras - JORNAL NACIONAL, 31/05/2011
Na segunda reportagem da série especial, repórteres flagraram o comércio ilegal de armas, oferta de drogas, contrabando nos rios e até falsificação de selos do Inmetro. Em uma faixa de 200 quilômetros, já foram mapeados 3 mil pontos de travessia.
Na segunda reportagem da série especial sobre as fronteiras terrestres brasileiras, os repórteres Cesar Tralli, Robinson Cerântula e Fernando Ferro mostram o comércio ilegal de armas, a oferta de drogas, o contrabando nos rios e até a falsificação de selos do Inmetro. Tudo isso facilitado pela corrupção.
Onde tem rua de comércio popular no Paraguai quase sempre tem uma loja de arma. São 32 só na fronteira com o Paraná. À venda, há pistolas automáticas de grande precisão, as mesmas usadas no Brasil para assaltar e matar.
O contrabando para Foz do Iguaçu é garantido. “Entrega lá em Foz. Se quiser, agora mesmo, eu levo para você. Depende do movimento. Pode levar 15 minutos, meia hora, uma hora. Passa”, garantiu o vendedor.
É de moto que as armas entram ilegalmente no Brasil. Uma delas, apreendida cruzando a ponte da Amizade, tinha uma pistola automática sendo levada no fundo falso do banco. Em outra moto, a arma estava sendo transportada dentro do reservatório de óleo.
O movimento é frenético. São 30 motos por minuto passando na ponte.
“É um transporte muito rápido, ágil e o efetivo aqui seria meio que inviável para fiscalizar todas as motos que passam. Não tem 100% de eficiência”, admitiu o policial da Força Nacional de Segurança Breno Nogueira Amaral.
Quinhentos quilômetros para cima da linha de fronteira e mais um perigoso corredor do crime: a passagem de Pedro Juan Caballero, no Paraguai, para Ponta Porã, em Mato Grosso do Sul. É praticamente impossível saber onde uma cidade termina e onde a outra começa, em outro país. É assim ao longo de mais de dez quilômetros.
Nossos produtores deram uma voltinha no centro. Em apenas dez minutos, ouviram todo tipo de oferta: munição, remédio falso, cocaína.
A novidade do momento, na região, é o selo falsificado do Inmetro para empurrar o contrabando de carrinhos de bebê e enganar o consumidor no Brasil.
Em uma loja, tem falsificação também para capacete de moto. O vendedor é descarado na mentira: “Se você colocar o selinho, já é brasileiro”, disse.
Um golpe vendido no atacado: “Se levar por cartela, é mais barato. Se levar só um, está R$ 5”.
O selo de qualidade do Inmetro é uma exigência da lei. Só pode ser vendido o equipamento de segurança aprovado em testes de resistência. O capacete de selo falso que a equipe do JN comprou no Paraguai racha no meio no teste.
“Ele pode ser utilizado, de jeito nenhum. Não oferece segurança nem proteção ao usuário”, alertou um funcionário do Inmetro.
Saúde em jogo também com cigarro pirateado. “Neles há, inclusive, selos falsificados da Receita Federal do Brasil. É a prova de que o cigarro é destinado para o mercado brasileiro”, destacou o funcionário.
São 60 fábricas do lado paraguaio e quase toda a produção é contrabandeada.
“Se o Paraguai produz 65 bilhões de cigarros e consome apenas 3 bilhões, nós temos esse diferencial todo despejado no mercado brasileiro”, afirmou Luciano Barros, da Associação Brasileira de Combate à Falsificação.
É pela água que 70% de todas as muambas cruzam a fronteira do Paraguai para o Brasil. Em uma faixa de 200 quilômetros, já foram mapeados 3 mil pontos de travessia, os chamados portos clandestinos.
A equipe de reportagem do Jornal Nacional flagrou jovens e adolescentes carregando caixas e mais caixas de muamba. Um barco carregado de mercadorias e um rapaz só transportando-as. O rapaz escondeu o rosto para não aparecer.
À noite, um formigueiro de gente pegando muamba da margem e transportando para dentro do Brasil. Só este ano, a Polícia Federal já apreendeu 50 barcos carregados. Mas ainda é difícil fisgar peixes graúdos, como os donos da mercadoria.
“É difícil porque a extensão do lago é grande. O nosso efetivo não está o efetivo ideal que necessitaríamos para trabalhar”, admitiu o agente da Polícia Federal Celso Calori.
Um brasileiro é gerente de porto clandestino em Foz do Iguaçu. Presta serviço para seis quadrilhas de contrabandistas.
“Pego essa carga ilegal distribuo em vários depósitos. Casas, barracão, em vários lugares. Vai para o Brasil inteiro. São de várias regiões: Minas, São Paulo, Bahia, vem de tudo quanto é lugar”, disse ele.
O criminoso diz que todo esquema de transporte e distribuição é movido à corrupção. “Pago propina para poder trabalhar tranquilo. Depende, varia de R$ 50, até R$ 1.000, R$ 10 mil”, revelou.
“Quem não paga o valor exigido sequer consegue transitar com a mercadoria naquele local”, relatou o promotor de justiça Rudi Burkler.
O promotor de combate ao crime organizado em Foz do Iguaçu já denunciou 160 guardas municipais, policiais civis e militares.
“Alguns policiais, com certeza, vivem mais da remuneração obtida com essa corrupção do que do próprio salário”, declarou ele.
O chefe da divisão da Receita Federal dos estados do Paraná e de Santa Catarina, Sérgio Lorente, declarou que existe um mapeamento dos portos clandestinos e que está aguardando recursos federais para retomar as operações em larga escala na fronteira.
Segundo a Secretaria da Segurança Pública do Paraná, neste ano, oito policiais civis foram demitidos por má conduta. E, nos últimos três anos, 130 policiais militares foram afastados.
A Polícia Federal informou que, com o aumento do número de servidores nas unidades de Foz de Iguaçu e Guaíra, houve um crescimento nas operações de fiscalização na região.
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